terça-feira, 22 de abril de 2014
Poema para Ela
Eu a conheci
quando consertei as gavetas
e as goteiras do meu coração.
Ela organizou minhas ausências.
As coisas que deixei empilhadas
viraram texturas
com a eloquência de um sorriso.
Ela apareceu como quem cai de um prédio
como a manchete de um jornal de notícias
que faz com que acreditemos no casamento
que faz com que acreditemos no eclipse que vai nos salvar de nós mesmo.
Ela apareceu.
A metade do dia com ela
era um tempo que cabia em um relógio quebrado
a outra
era um Pasquetta.
Da primeira conversa
lembro que não sabia o que dizer
pois enquanto olhava para ela
via o universo em constelação
e a superfície de quem trabalha silenciosamente
como é o amor verdadeiro.
Eu agradeci mentalmente porque ela falava muito
e as palavras saiam da boca dela como avenidas
e eu compus um verso bobo:
" o poeta é o barqueiro que não soube remar".
Mas ela me olhava firme
como a matéria da chuva
ou como quem resgatava o poeta
do barco que virou
e eu precisava dizer algo.
Como pássaros que dormiam em mim
ou farelos de lavanda italiana
eu disse qualquer coisa sobre gostar das estações intermediárias
como outono e primavera.
Ela disse ser açúcar sua cor favorita.
Continuamos andando pela rua Augusta.
Andamos.
Ela estava cansada.
Depois de tanto andar
ela disse:
- Ainda que eu estaria com fome, não comeria esta churrascaria.
O mundo sorriu para mim
em um afresco de Giotto.
Eu queria acabar com a fome dela em um restaurante vegetariano
eu queria acabar com a saudade dela da Itália.
Dormi em seus braços como um céu que faz a manhã de Assis
uma imagem de Deus sorrindo.
Na manhã seguinte
ela fez o café.
No silêncio
à espera de perdê-la
o café era um pássaro mostrando sua beleza.
Ela desceu na estação Paraíso.
Eu desceria mais a frente.
Antes de dar um abraço
disse que a vida é uma hipótese de caminhos dispersos.
Sorriu.
Entendi sua saudade da Itália
eu entendi
que saudade só existe no Brasil.
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