A morte tinha sido estagnação de momentos. Silêncio da saudade que finca no corpo uma estação de silêncios. A ausência da
memória era a morte para mim.
Lembrei que sentei ofegante na calçada, à espera de um novo
tempo-presente. As lembranças eram criminosas, intrusas. Não
via de onde falava, senão pelo pensamento que me invadia. Eu era a vigília do que
falava por mim quando fui obrigado a estar onde o pensamento se fazia o contorno
do sofrimento, o sofrimento de um tempo que não passava. O olhar perpetuado era então visto de longe:
carros parados no instante, fugidios e eternamente cinzas, ruas brandas e
eternamente estreitas. Ruas imóveis, não levam e não desabrocham olhares. Tudo era a força de uma pedra que cai somado com a força da pedra que continuava caindo
e caindo...
Meu porto de luz foi a calçada e a indagação: Qual é o
caminho que a morte leva?
Lembrei de Rodin e da sabedoria que cresce a partir do
bronze. Naquele átimo de segundo eu trocaria qualquer sabedoria pelo conforto
delineado a partir de um suposto-presente, tempo agudo.
O eterno-presente desenrolou-se até mim pela assertiva: o peso da vida é o desespero silencioso.
Deveria chegar em casa, abrir o chuveiro e contar memórias
enquanto a água caia e depois secar tudo
com a toalha para cair na cama e juntar o avesso de tudo para virar sonho. Coisas óbvias? Tinha percorrido o caminho de forma digital.
As pernas coladas ao tronco se tornaram analfabetas do primeiro passo. A força
escorria (inerte) e somente o pensamento e as palavras-intrusas sustentavam meu
corpo.
(Tensão)
A mentira da vida é
acreditar que tudo pode ser resolvido com planejamento e burocracia. O planejamento ajuda, pode compor belas
imagens e status para os homens modernos. Mais do que isso nunca será além da
Natureza e o instinto de controle. A
burocracia é uma palavra oca. (Ser oco não é ser vazio)
Neste caso, a burocracia cabe uma infinidade de problemas
grotescos, permeando a vida dos homens, principalmente para os que vivem
afoitos nas grandes cidades. A burocracia preenche a vida das pessoas como se fosse a última alternativa
existencial possível. Descobri então, que
a burocracia é uma solução apenas para os que não precisam dela. Quando
precisei de um pouco de humanidade e não mais papel, ramais, carimbos e
assinaturas, eu fiquei só.
Em uma tentativa de alegria e abnegação já desvirtuei a
burocracia. Em outras palavras, já fui
salvo e salvei por uma mentira. Mas agora, não há solução que seja a última
saída. A vida precisa ser contida pela borda e nesta perfeita e sadia hora eu
me apoiei na calçada! Sentei. Fiquei
preso com o corpo atado e o pensamento era minha mobilidade. Não era possível
refletir já que o pensamento me conduzia ao desalento: a morte nos aproxima do
que somos e nos afasta do que temos.
(A
pedra e o tato)
A sabedoria da vida consiste em não saber nada
dela. Tanto conhecimento me fez fútil frente à vida... Da vontade de dominar as
palavras me perdi delas! Onde dormem as
palavras? De onde elas vêm?
Mesmo dormindo tive insônia. A semana passou para todos e eu permaneci parado. O sono não tinha mais
a função do reencontro. O sono era o
desligar de uma chave que alguém ligava indicando que começou mais um dia. Veja bem, e
agora eu entendo, até parado o corpo
pede movimento. Não há estagnação e
quando faltam passos é sempre uma palavra que vem dá força, conforto e abrigo ao corpo. O corpo é o lugar dos afetos e é por isso que
descobri: o sentido maior da existência é a Confiança.
Hoje vivo porque fui perdoado e através do perdão dado a mim
descobri mais sobre os homens: em nossa essência, somos mais fracos do que
perversos.
Lembrei da passagem
em que Pedro representou toda a essência da animalidade hominal e Cristo apenas
amou. Amou de boca fechada. A partir daquele dia, Pedro superou a existência
para tornar-se Pedro-Rei e tudo isso me confortou. (qual é o sentido da frustração senão escalar
um novo céu?)
Daquele dia em diante (do meu perdão e do perdão de Pedro)
vivenciei que o homem é o que aparenta ser e também dimensões veladas rumo à
perfeição.
(A
retina filtra em silêncio)
Não faltaram forças para os primeiros passos. A calçada que
me abrigou em silêncio poderia desenrolar crônicas e crônicas sobre a
experiência dela. Entretanto, me entregou o silêncio. As ruas estão doentes. As estradas viajam paradas e levam os homens
a lugares já conhecidos e eu quero o escondido da vida. Aventuro-me pelos
mistérios numa peregrinação ao precipício de mim mesmo. A um passo do abismo eu
ouço aos ecos os convites para a Glória. Já não me encontrava mais onde estava
e devo o conforto da esperança anunciada pelo silencio entregue à mim pela
calçada.
Será a vida uma grande cópia? Onde olho vejo encenação. O que seria de mim se ao silêncio entregue, ela
mostrasse o medo da vida e a imutabilidade das coisas?
(Inspiração
vibrando)
Se nas calçadas vejo indiferença e solidão coletiva também
posso ver cortejo e procissão.
O que direi aos meus olhos ver? O que direi a minha
consciência obedecer?
Cada um segue rumo ao seu cortejo, indiferença ou
solidão. Eu sigo vivo pela certeza que
me desobedece.
Há mais que um lado nas ruas? Há mais vida, além do silêncio
nas palavras? ( as palavras dizem nada e nós significamos tudo)
As cores da vida são tudo, até o silêncio nos olhos: um capítulo reinventado.
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