segunda-feira, 22 de julho de 2013

É preciso rasgar as cartas de amor





A morte é lei da vida

mas, a despedida não é da lei do Amor:

é preciso rasgar as cartas de amor.



Não pedi a hora da luz

quis dormir com seu sorriso.

Não quis acordar a partir da semente da certeza

que fazia mutirão em terras pouco conhecidas.



Era anel de jasmim que tinha nos dedos

florescia com o encanto da paineira

que não tem fim enquanto finda a primavera.

Relicário da manhã de eternos amantes

tingia o ar com o compromisso de rosas abertas

para fazer nascer amor em mim.

Cantigas e cirandas

chá de maça, gengibre e alegria

assim

continuava sem ter notícias

da tão falada queda dos Homens.



A ternura

misto de coisa e Coisa Nobre

esculpi com os recursos da vida

para atravessar

as Simplégades do caminho até o si-mesmo.

Sobrevivi

confesso

porque recolhi das minhas memórias

infinitos abraços para dar.

Sobrevivi

e quando a maré encheu

derramou luz no porto dos Homens

que ainda não aprenderam, sem morte

retirar da vida o próprio sustento.



De repente o horizonte

feito de casas e esplendor

alcança-me

de repente o amor me alcança

para ter razoes

(elementares)

para me sentir vivo.

Depois

deu-me forças para interrogar o que se guarda ao longe:

como são as coisas que não amamos?



Guardo a tarde como uma promessa de adolescente.



Caminho a frente desta estética torta e fria

percorrendo o extremo da lógica comum:

é preciso ser forte para reconhecer o encontro de outras solidões.



Reconheço na despedida um louvor à verdade cíclica

verdade que move os corações errantes.

Quantos mundos amarei pela vontade de permanecer vivo?



O solo não multiplica flores sem sofrimento

rasgo assim um pedaço do meu peito

o sangue da copa repousa o fruto.



Não sei onde vivo.

Quais são as verdades que a razão ambicionou ao Homem?

Desamparado

senti o beijo que apedreja e vira mordida

desamparado

estava só na tempestade de silêncios.



Para quais limites nos separam as margens

se estas cartas não tem próxima página?

Abro cada papel amarelado

te busco em cada cinza delirante

e apenas eu me recomponho.

Estás agora longe do caminho da lembrança

lembrança de histórias e silêncio

silêncio de tempo preso.



Não há mais você em nós

o que há são areias quentes escorrendo entre meus dedos

não há videiras ou carma

ou horizonte fiel dos nossos planos

há para os que ficam

a esperança que se vive.



É preciso perder

oferecer a face à essa dama aérea chamada Vida

a Vida é o puro viver sem enganos

o material da poesia.

Em cada perda

ser confidente do luto e da causa

(não há castigo)

e na dimensão da perda

um novo céu

livre do peso extra

guarda as virtudes de um novo encontro

e qualquer morte

em vida

funcionaria apenas como um paliativo para a eternidade.

Fui até o outro dia da imensidão



o cheiro de roda e destino

era anunciado pelo beija-flor.



No caminho

Jesuítas passaram por mim

disseram que a paixão é a categoria sinônima de um mundo real.

Não se vive santo

sem ser inaugurado de verdades

como a única verdade bendita

e aceita: Amor de encontro.



Vives então para ser fiel

à esta única verdade bem aceita

e a única verdade que lhe será fiel.

Sem isso

subirá montes, comprará carros, calças

e a vida não irá além de um gênero literário

e as lágrimas serão sempre orgulhosas


Estas foram as palavras daqueles que abençoaram o meu caminho

do alto das palavras eu disse amém.



Estava só.

Meu fascínio era também meu maior medo:

a noite guardava minha sombra.



Minhas preces de intenções espirituais

eram mentiras que eu desconhecia.

Quando rogava pelo não saber

uma revelação próxima

fez-me rogar pela ignorância:

seus beijos não cairiam mais pelo céu da mãe dos homens

seus lábios não mais sorririam por mim

em seus dedos a tatuagem evaporou

e as lembranças,

que nos reencontraram em vida

hoje desabam tristezas

tristezas puras

e ainda me rondam os lobos da noite.



A noite é a certeza que precisa o dia

por isso os cachorros não sabem

e sempre serão as melhores companhias

porque me ensinaram que até o inferno

é uma condição passageira

a vida é o tempo que não recebemos.



Venço a noite quando acordo.

Paraíso é encontrar o que já chegou

mesmo que seja um amanhã distante

mesmo que seja o calor que situa os Homens e a vida

mesmo que seja a decisão:

é preciso rasgar as cartas de amor.

Em nome do Amor

revelações escondidas virão

em nome do Amor

não me arrependerei se outras cartas virão

pela vida

eu escreverei.

A Vida vem em capítulos.








































3 comentários:

  1. E quando elas são escritas aqui? Rasgamos?!

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  2. Valeu a passagem do Papa pelo Brasil por esta sua inspiração. Que lindeza! Esse poema tem um ar meio Neruda, gostei demais.

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