As espumas do mar são o chofer do vento.
Essa era a única verdade que importava para alguém que
estava ali, em composição, na imensidão dos pensamentos, valseando na cadência
ritmada das águas.
Ali, naquele chão arenoso, afundava os pés na areia com o desejo
que as partículas dos problemas fossem tão efêmeras quanto a areia escoando pelas dobras ,entre os dedos
do pé. Aliviava o peito pensar que já tinha sido pior. Ficar só e em paz consigo mesma já era uma conquista
e aquele instante, concretizava a moldura da contemplação. O mar, as ondas e os
pensamentos sortidos eram ouvidos todos
na mesma proporção.
O Sol já ensaiava os primeiros beijos à crista da água
quando precisou voltar. De longe avistava uma multidão de agitação e luzes
piscantes. Toda aquela euforia a acalmava. No casamento do filho mais velho,
ela se permitiu contemplar as águas.
Enquanto os últimos detalhes eram prestados às damas de
honra, as flores que compunham os
arranjos eram umedecidas espelhando um
suave aroma sorridente pelo salão amadeirado...Em momento algum contagiou-se com a agitação.
Com os olhos prostrados ao mar, encaminhava à Santa Mãe da
Imensidão seu barquinho de gratidão, a gratidão por ela mesma, apenas com os
olhos.
Naquele momento nada mais era tão importante do que o olhar:
paralisava o tempo e dava sentido à história
perdida. Naquele instante da
eternidade o olhar integrava com a natureza
seu momento de contemplação, e projetava
a rosa- gratidão ao lamento
metálico das rochas espremidas pela
dureza das águas.
O tempo dos homens é incompatível com quem sonha.
Como um estalo, o tiquetaquear dos ponteiros alertava: a
maquiagem estava por fazer e o rosto ainda sofrido das marcas que a vida
confere à quem sobreviveu aos horrores e desencantos, selava naquele momento um
instante de alerta.
A festa mal tinha iniciado, e era preciso correr. Como mãe
do noivo, o cortejo aos convidados era mais do que uma questão de educação.
No caminho para o quarto do hotel lembrou-se do vestido
vermelho que saltava à cama. E algumas histórias caíram do céu, como o
vestido que abraçou o corpo e sentiu-se bela. Bela como a dança da chama e da
vela. Bela por ser livre, livre por ser
ela.
Como um teatro de toda paz, rompeu o silêncio da consciência
leve:
- Se o inferno existe, é a prisão da mente!
Logo ela que sempre testemunhou o mundo, lembrou dessas
histórias como uma realidade farpada.
Agora fez-se merecedora de ser protagonista das próprias
palavras! Carregar no ombro o mundo do olhar reto e sereno. É o que lhe faz
bem, é o que lhe apraz!
As preocupações existem,
são as asas do estar vivo! Hão de ser carregadas no ombro também!
Como um malabarista, escorreu a inquietação dos lamentos de
uma história triste pelos braços, gingou
com a cintura até tudo virar um misto de
sentimento solto esperando um bom lugar para pousar! Brincou de malabarista,
sem chapéu, sem malabares e principalmente sem rede de proteção.
De longe, enquanto todas desfilavam vestidos e vaidades, ela
via aquele momento como aceitação.
Sua falta era sentida na festa.
Mãos no rosto e os olhos no espelho: A maquiagem não estava
feita!
Os olhos ainda estavam pesados! As lágrimas que passaram por
ali deixaram considerável estrago, como a maresia mastigando lentamente o ferro,
o fundo e a forma. O pulmão seco a esta altura era paz e
silencio. O solo era ferrugem, casco de uma realidade deixada de lado.
O amanhã é a combinação de duas pernas que pulam uma cerca. A
cerca era o que envolvia a realidade, agora descoberta.
A realidade é nobre
porque se desdobra em ontem,
hoje, amanhã e sempre. Ela precisava sentir.
Sentir é a extensão de estar viva. Fazer com que os problemas sentissem junto
dela era mais do que envelhecer.
Neste momento, o quarto era
testemunha de que a a brisa da renovação não mais censurava a pele. A festa já tinha iniciado e agora, notou mais
um problema, desses que antes a fariam desistir,
agora era motivo de maravilhamento. Ela absorveu o companheirismo de si mesma e
tinha deliciosamente o problema mais importante do mundo: o fato das
sobrancelhas estarem por fazer.
E saboreando essa situação, participou do mais importante renascimento da vida: Não
ter quem faça as sobrancelhas na hora da festa.