terça-feira, 21 de janeiro de 2014

Poema 75



A formiga e seus sapatos novos
carrega uma porção de mundos
e jardins
e alegrias.
Vive feliz
porque todos brincam
todos trabalham
todos comem feijão, doces e alface
e o silêncio é um perfume no formigueiro.

Nenhuma formiga se sente “ sozinha no mundo”.
As formigas não têm vaidade.

Os grilos nunca leram Hegel
mas, sabem a essência das contradições.
Cantam
cantam porque sabem que “ o Sol voltará a brilhar”  
não será apenas metáfora para esperança.

Os grilos não voam.
Os grilos não têm vaidade.

A borboleta dança e colore sua angústia.
Brinca com o imprevisto
seus olhos são janelas que olham as coisas em ritmo de potência:
a vida é um bater de asas
e o medo é ver as coisas de baixo.

As borboletas são frágeis.
As borboletas não têm vaidade.

Os pássaros tem com a solidão o infinito.
Com isso, qual é a preocupação de se pensar em liberdade?

Os pássaros dominam o céu.
Os pássaros não têm vaidade.

O homem e sua vaidade:
quanta insignificância!

sexta-feira, 17 de janeiro de 2014

O sumiço da terra liberta


Seu corpo é como um breve nascer de existência
azul, como um cais que guarda destinos.

Numinoso silêncio que me ensina
derrete as horas, balança o vento.

A beleza não tem data
nem terra, nem céu.

Seus cabelos são crianças que brincam
seus olhos, hidratam o mundo.

Sua violência é língua e paixões
expectativa das Serras de Córdoba.

Flor de sereia, raiz de prata
edificações e tijolo secular.

Almoço vegano, paz de primavera.
acontecimentos: seu sorriso cor-de- festa sumiu.

Cidade triste, tristeza cinza
São Paulo te procura.


Você adoeceu. É o que dizem.
Diagnosticar é a pior falência da ciência.

Domingo sobre domingo
tiraram sua Poesia.

Sua língua enrolou
seu corpo pereceu

silenciaram você
pisotearam sua inocência.

Inventaram a doença que silencia o verso.
Como fazer Poesia assim?

Como?
Remédio eficaz é verso

O olho só é livre
quando é lírico.

Te deixaram sem fome
de qualquer jeito, como comida quente na boca

de abraço morno
que Abraça sem abraçar.

Lá estão eles
nos hospitais psiquiátricos

roubando as duas luas do céu
apertando sua garganta

espremendo sua Arte
derretendo seu sangue de seda.

Está escrito. Assim está escrito
em seus jalecos brancos:

Diagnóstico a Serviço do Mau.

Seu corpo insuficiente
chora.

Fizeram de ti
moradas de comprimidos.

É preciso a Poesia
que transforma as palavras em emoção

não em retórica
não em dominação.

Você está nua de vida. Á deriva.
Você que caminhava com o vento

sabia dos mistérios do chão
das pedras e esquinas

hoje você tem dia, tem horas.
Hora do remédio. Hora para dormir e não sonhar.

Você.
Sabe você de quem eu falo?

Como o incenso
que transforma o ar em cinzas

podem tentar quebrar as tentativas
o amanhã é o presente que se renova.

Mas, hoje. Apenas hoje
medicalizaram a esperança.



quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

Imperativos



O frio era uma teimosia que quebrava os ossos das árvores.
Aquelas que sobreviveram
 fiéis ao solo
foram ungidas com uma cera
que apesar de nutri-las com a vitalidade dos tons alaranjados
as deixaram com gosto de vinagre na boca.

Após os eventos
profetizou-se: superstição da felicidade ou superação do conforto?
o tormento era pelo direito de decidir
é preciso quebrar ossos para não criar raízes.

Não sabiam elas
(eram apelativamente ingênuas)
que a eternidade seria morte para qualquer recompensa:
seriam eternas filhas da terra
nunca mães do tempo.

Outras árvores não renunciaram ao sofrimento.
Era frio
frio de invernos e esperanças.
Os pequenos seres de almas minguantes
renunciaram ao fruto, ao ninho, à folha
para correrem o mundo
como sementes
florescendo desertos.

O instante
pensavam elas
seria apenas o grito
o que se perpetuaria ao longo dos milênios
seria rouquidão.

A Natureza tem o tempo certo das folhas que caem
e das que se renovam.
Insistir seria  prolongar um céu que não caberia a morte.

É preciso investir contra o conforto e outros fetiches
são ilusões autônomas
melindres mecânicos.
Em cada dor que desmorona a calma
despetalam antigas ilusões
nascendo um novo caminho.

O incompreendido apenas aguarda.

quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

O mistério da goiabeira



Naquela manhã não fiz o café. Apenas troquei a água do bebedouro para o beija-flor flutuar seus encantos. Na mesa, apenas o tampo de vidro e o IPVA aberto: “ Senhor caixa: este aviso é meramente informativo NÃO AUTENTICAR”.  São esses hábitos que me constrangem e me jogam no tempo. Na mesa não havia pão, café, frutas...Apenas o lembrete de pagar, um exercício contra a aparição da simplicidade.  Avisos como este me deixam em dúvidas constantes entre hábitos humanos ou lampejos de uma simples aparição em corpo.
Da vida se leva o que não se autentica. O hoje e o amanhã serão apenas opções.
Compreendo a delicadeza dessas questões e quanto mais ao Norte se avança a longo dos anos, mais específica é sua sede: de água, de água gelada, de mineral, de nuvem...
Longe do alcance da cozinha uma goiabeira no quintal sorri. Avancei até lá e sob seus galhos surgiu um terraço de folhas e palhas delicadamente trançadas para se vencer o horizonte  daqueles valores letárgicos.  A pulsação de seu coração irradia pequenos seres animados que flutuam e inflam notas de coragem e peregrinação. Adormeci.  O prolongamento de seus galhos acalmou meu impulso de partir, porém sem severidade.  Uma voz que brotava do solo e irradiava consolação disse em sentido íntimo: “ A essência do medo está no fato do homem ser um animal fugidio”.
Não consigo lembrar-me desta goiabeira em meu quintal. Entretanto, era uma goiabeira que prodigalizava outros frutos com outras histórias e contornos. Suas folhas translúcidas sopravam e perfumavam o ar como um ritual de pureza. 
Já não era manhã, ou noite. Tarde ou dia. Era apenas quintal. Os pequenos seres, que chamei de Argos, acabaram por inaugurar um novo vazio em que eu pudesse me projetar. Eu inaugurava perigos. Estava estampado em meu rosto o tentador poder da desistência e a tentação do retrocesso.  Sabia que não poderia voltar e isso me fortalecia. A medida que estas decisões eram tratadas eu era deslocado da realidade de onde apoiava os pés.  Um dos Argos, talvez se antecipando às minhas preocupações, disse em tom irônico:
- Bagagem? Leve apenas o que puder imaginar.
Se a certeza da volta era algo que eu não tinha, intuía que caso voltasse muito seria diferente. Eu sabia que não seriam apenas promessas, mas uma nova velocidade de acreditar.
Um silêncio universal tomou conta do meu coração.  Em companhia dos Argos, estávamos em um cemitério de relógios.  Lá, um galo afirmava ser o criador dos desertos e que poderia, caso quisesse – e ele afirmava ter razões para isso, transformar a vida dos homens em grãos de mostarda e depois em pó.  O galo dizia que muito das ilusões oficializadas em vida, vão parar ali depois.  
- Se você é um daqueles que está com o pensamento onde não está o corpo, posso eliminá-lo agora mesmo, disse  este ser enigmático que tinha olhos de quebrar datas.
Compreendendo o movimento da vida, o galo e um dos Argos disseram juntos, amenizando minha preocupação aparente:
-  A vida se renova na sombra!
Compreendi que a passagem pelo cemitério seria essencial, já que depois de algum tempo tive conhecimento de que antes de voltar para casa, seria necessário uma pausa e um regresso. Em um instante, compreendi o alerta do galo e o porquê estava naquele lugar.  Onde estive com a minha vida por todo este tempo? Realmente, os acontecimentos me levaram a estar com o pensamento muito além do meu corpo. Sempre fugidio do tempo, nunca estava realmente onde me encontrara.  
O tempo era marcado por uma experiência interna. Sentia que era preciso voltar, e antes de concluir o pensamento os Argos apareceram, juntamente com o galo. Como um presente sincero e um abraço afetuoso, recebi daquele ilustre guardião do cemitério um livro cujo título era “ Os símios e os homens que costuravam elefantes com memórias”.  Disse-me ele para manusear as páginas com cuidado, pois se tratava de um livro de tempos mitológicos e a minha maior façanha seria descobrir como aplicar os conhecimentos ali enunciados e transformar o cotidiano em grandes acontecimentos. Esta seria, segundo ele, a fórmula para a maior revolução de todas.
Meu pensamento era preguiçoso, mas já sabia onde estava. A fila andava lentamente e ao colocar a mão no bolso esquerdo, senti o IPVA no bolso, estava no banco. Ao retirá-lo para conferência, um papel caiu ao chão. Nele estava escrito:  “ Grandes revoluções começam com bom dia e um riso sincero, honesto e simples”.
A companhia tocou alto. Era meu número no visor. O caixa disse bom dia e estendeu a mão, para formalizar um prestativo cumprimento.  Eu apenas entreguei o IPVA.  Ao finalizar a transação ele me desejou um bom dia alegre. Eu continuei calado com as mãos conferindo o troco.
Na saída do banco, ao lado da calçada, uma árvore estava com as folhas no chão e praticamente deitada ao solo, devastada.

segunda-feira, 6 de janeiro de 2014

Aquarela



Todos nós já sabemos
o que o mundo tem a oferecer.
Eu só escrevo
para ficar mais perto de você.

Começou quando uma janela
apareceu perto do céu
eu abandonei a madrugada
encontrei você
todos os santos
e o azul futuro.

Ela pintou os reinos de Vida
com as cores do céu
e daquilo que é chão
3 vezes abaixo dos pés.

Raio de beleza certa
tem intenção de flor nos dedos
razão que  é o amparo da noite
pintado em qualquer cor que sorri e amanhece.
Não há mágica
há cores que rasgam a terra
e pintam o melhor de Deus
nos Homens.

A cor
sua cor
é voz que suspira companhia e confiança
nas ruas de prédios, navalhas e violência.
Não é porque ela queira
mas contém a única certeza que não trai meu coração
é em única existência
Deus e mulher
e só precisa de pincéis e aquarela.

Você
meu perpétuo você
em seu peito é sempre Natal, pinheiros e panetone.
É lá que encontro a tarde
mesmo na insana cidade.
Se estou triste
ou sem finalidade
basta te lembrar: eu vivo por acordar.

Pintando momentos sem atraso
o sol se põe
o fim de tarde é violoncelo, é chama
seu abraço me chama
estou no melhor lugar.

A pergunta é livre e corre pelo mundo
( de tudo, o que é realmente preciso?)
ela pintar a sombra
( da ignorância e dos Homens)
pianos, flamingos.
Aquarelas são segredos
o que dizem elas?

Minhas palavras agora tem cérebro
Deus cuida delas.
Você virou motivo de poema
e eternidade em verso.

Por qual milagre espera a mariposa?

A Lua é vidro longe do céu
o Sol  uma gélida inocência comparado ao seu abraço.

Por qual estrada se encontrarão as mãos de soluço e saudade?

Na dúvida
eu poemo
ela aquarela-se.