quinta-feira, 23 de maio de 2013

Todo dia haveria de ser sábado



O que esperam todas as pessoas
indo todas juntas ao mesmo lugar?
Estará a resposta em um lugar percorrido por todos
diariamente?
O transito enlatou minha alma.
Era segunda-feira e tinha sido convocado a uma reunião
sentia o sangue lento em cada artéria
o travesseiro em meu rosto
e a vontade de morrer para ter meu sonho livre
horizontalizado.

Reuniões são consequências de homens regredidos
precisam parecer homens
apenas. É o que importa.
Quem inventou que a moeda da felicidade está impressa em gráficos e protocolos?
Precisamos de Sol e subversão.

Olhava para a testa daqueles senhores
escorria óleo. Extrema unção da maldade
eram maldosos porque sabiam
não desconheciam a tinta espessa da pátria que defendiam.

Era calor.
Talvez por isso o clima castigava os homens
( o clima castigava os homens?)
aqueles homens blindaram a humanidade deles
são todos iguais
vestem todos camisas brancas
gravatas grafite
fazem a barba.
A pele sofre
ensurdeceram a pele
algumas mulheres lambuzaram-na com cremes
artificializaram os sentidos.
O homem foi domesticado por reuniões e avaliações de desempenho.

Nas dinâmicas de motivação
eu chiava por dentro
não entendia as risadas
e tive que ri. Ri um riso vazio
fui levado pelo senso de civilização que pairava naquele lugar.
Fui fraco
por qual porta escapar?

Pausa para o café
(- vamos para o brunch)
e eu precisava ser salvo pelo café.
Ali sobrava máquinas e botões
e um chef cuisinier
para agradar paladares refinados. Aquelas não eram pessoas de arroz e feijão.

Eu continuava com fome
queria café de coador no copo americano
dois pães na chapa
e o sentido de toda redenção do mundo.
Lembrei do bar do Severino
lá serviam X-Maionese, rissoles, suspiro
e também tinha o Cuca que logo cedo pedia sua Caracú com ovo
ou vitamina de abacate
mas lá no Severino eles também serviam histórias
e ninguém saia de lá de barriga vazia.
Tinha o Cuca que após 60 anos viu a vida nascer
conheceu a Raquel que tinha 18
pediu à Deus, de forma sincera, mais 60 de idade
a vida dele começou agora
 ele continuava ganhando de todos no pebolim
- eu só uso a munheca. 
Tinha também o Waldomiro
conhecido como Paçoca
que fez com que eu acreditasse na vida
pelas mentiras que ele contava.
E como se esquecer do Vital
inspetor de alunos
figurinista do Vera Cruz
- Estas mãos cumprimentaram John Wayne
dizia ele.
As mãos do Vital já sofreram muito
mas toda manhã ele vinha ao bar do Severino mostrar o que havia feito
(escudos, máscaras e pássaros eram sua especialidade)
Vital brincava de ser Deus com papel marche.

***

Sobre o que conversavam aquelas pessoas se elas não conversavam?
Uma conversa é o lugar onde Deus nasce
e nada nasceria dali
disseram que fariam uma pausa
(- let´s take a break)
e cada qual continuava falando sobre redução de custos
dos avanços da filial do Recife
dos cortes necessários na unidade do ABC Paulista
das metas para o próximo bimestre
falavam de vouchers
falavam de displays
falavam.
Conversar é entender
acolher cada palavra com carinho
ali duas pessoas falavam
sem perspectiva de mudança.

Eu continuava com fome do café do Severino.
Tem também o café do Pedro Bó
o nobre senhor que entalha o Universo naquela garrafa azul
ali ele estabeleceu o centro do mundo:
camadas de água, açúcar e café.
Ali nós estabelecemos o centro do mundo
um abismo de vaga-lumes.
Ele não lucra com isso
mas é feliz por isso.

Tem o pastel da Dona Neide
Ah! O palmito, o curry, a cebolinha...
eu a vejo fazer a massa
entendo o tempo certo das coisas
o tempo certo das coisas fermentarem.
As coisas não caminham no passo da minha fome
caminham no tempo certo da natureza
e a gente conversa. Ali conversamos.
A Teoria da Relatividade é testemunha
nós mergulhamos na fraternidade infinita das coisas
e tudo isso é puro
porque a pureza não é quantificável
a ambição sim
por isso aqueles senhores estavam lá
e eu também.
Por qual porta devo sair?

- Devemos ser rigorosos com a pauta
diziam eles
eu não quero ser rigoroso com nada
se a meia não combina com o sapato
oxalá por isso!
Tantas malas, carros, cofres
medalhas, bonificação, rolamento
a mesma ambição coisificada.
Viveria pelo avesso dessa ambição
mas é justamente por essa
a mesma
que estou morrendo.
Estes homens perseguem a mesma coisa
(tudo que procuram não é o que precisam)
o mesmo fio de ouro
a mesma fina camada de bronze
e já não podem com o café
- minha gastrite não deixa
dizem eles
são tão indissociáveis a gastrite.

Nunca me disseram que ser Homem seria isso
crescer e a vida caber num resumo
crescer e programar sistemas
ter uma rua dentro da fábrica com o meu nome
 por uma invenção que minimizou as perdas
crescer é isso?
Crescer...
Onde foram os galopes do mundo
viver sem intervalo
sem contagem de tempo
sem tempo...

Em qual baú deixei meus sonhos coloridos
quando a vida mais precisou de cor?
Em qual intenção está minha mentira?
No fundo de mim há isolamento
e eu achando que a infelicidade era nunca ter completado um álbum de figurinhas.
Eu que vivi
já mijei no vaso de rosas
joguei bola na rua e amassei a porta do carro
já murchei o pneu da vizinha fofoqueira
já quebrei o ponteiro do relógio da escola
eu até prometi junto ao Seya
que deixaríamos o mundo um lugar melhor
mesmo não sabendo de nada
nem de outros mundos
nem de mundos melhores.

Hoje eu tenho a ciência
tenho toda epistemologia
métodos de pesquisa
e o que sou por isso?
Sou o que quiseram que eu fosse?
Tudo foi muito sutil
como se estivesse na plataforma do Metro
em um dia cheio
e dali não pudesse voltar
e as pessoas foram entrando
e lá estava eu
feliz por estar na cinza do desconhecido
mas no subterrâneo das minhas vontades
a felicidade é um sentimento individual?
***
Eles tossem
acendem um cigarro
sequenciam o desespero
tomam uma dipirona
e fumam mais um cigarro
mascam qualquer chiclete
mastigam qualquer pastilha.
É o cigarro o choro do homem calado?
Lembre-se, os homens não conversam...
(morrer é omitir histórias?)
Eles não atendem o telefone com alô
com surpresa ou espanto
eles já sabem quem está ligando
e mesmo quando o filho liga
ele atende: “ José Augusto, analista de suporte, em que posso ajudá-lo”?
era só o filho
o filho que estava com febre.
Sim, ele havia esquecido
afinal, como justificar aos colegas do setor que levaria o filho ao Parque Salvador Arena
e depois tomar sorvete e comer pipoca
( ele se arriscaria a comer o doce antes do salgado e temia por isso)
ele bancou a falta
inventou algumas horas-extras
e o domingo foi febre para um
e...
ele inventou que era preciso. Apenas.
Fumou mais um cigarro.

***
Algumas pessoas tropeçaram no tapete vermelho
eu ri.
Eram as pedras que ninguém via. Só eu.
As pedras, infinitas
pedras
que ninguém olha por elas
as pedras são a síntese dos acontecimentos do Universo
hoje
foram amaldiçoadas
traíram a certeza do tapete vermelho:
rico, reto e plano.

***
A Prefeitura construiu um parque ao lado do Centro de Convenções
(só eu havia visto o parque vazio?)
A Prefeitura já tinha abandonado o parque.
Por qual porta sair?

É preciso coragem para ser Homem
mais ainda por confidencializar à Vida que mesmo com o coração cheio de pavor
não se pode fugir de uma vida menos vida.
A morte é certa
(ou trabalho e teoria para os que pensam nela)
mas uma vida menos vida
é ter êxito em alcançar a morte
em vida.

O mundo ardia para mim em Centro de Convenções
Reservas ativas, fluxogramas, dinâmicas motivacionais
eu ardia por dentro
eu era todo ódio por aqueles senhores
eu era ódio por qualquer exame de consciência que mostrasse que eu perdi o mistério da vida
é no Desconhecido que habita a independência da alma.
Eu sabia imaginar
tive 3 amigos imaginários
(eram reais porque eu os via?)
hoje sou qualquer orgia abstrata
de números, gestores, aplicações e seguros de vida.
Eu continuava na nudez do meu ódio
o ódio puro
mas minha fonte momentânea de eu.
Naquele instante
caso perdesse o ódio
com qualquer dinâmica motivacional de bexigas
eu perderia algo de mais perfeito em mim
mesmo que desconhecido.

***
Eis que sinto a lucidez a cada passo
( encontrei a porta pela qual sair!)
- Perdoe-os. Eles não sabem o que fazem.
Era Manuel de Barros, em asas
beliscando uma pêra
com toda calma do fundo do mar.
- Seja úmido. Seja veraneio no coração da guerra. Sonhe perigosamente como quem constrói castelos de areia
desbloqueie os limites dessa fuselagem chamado corpo.
Se a vida sem Jung é impraticável
sem poesia a vida é mentirosa
é só uma gengiva que sorri.

O poeta-passarinho voou.

Antes de contemplar a saudade
( eu dizia baixinho: - Volta poeta!)
percebi que meu gestor me vigiava em cada pedaço da praça
ele estava em cada galho.

Depois
descobri: ele estava onde eu permitia.

Foi quando disse Eu sem persistir no engano
levantei a cabeça do banco branco
já sujo pelo tempo
pela primeira vez eu falava onde existia
(havia descoberto uma razão sensível?)
estava distante de tudo aquilo que eu havia deixado de ser:
eu constituía a perfeição das coisas
e a perfeição das coisas me constituía.

***


O dia de amanhã seria longo
(não insosso. Não morno)
e todo dia haveria de ser sábado.







quinta-feira, 16 de maio de 2013

Soneto III



Quantas ideias pedem por mim?
Uma, duas, talvez três?
Ideias, suaves ideias (não porquês)
the sacred gold rings- com Pushkin.

O poeta descobre enredos
alonga e desentulha a vida.
A Palavra, que da multidão foi esquecida
multiplica virtudes e enfraquece medos.

As nuvens que caem do céu
dão vida
quando caem do alto, partidas

redemption´s farewell:
assim são as ideias, amigas,
oceano de palavras que costuram ilhas.



terça-feira, 14 de maio de 2013

Atenção flutuante no futebol é gol




Finais do Campeonato Paulista.  Domingo.
- Que bom que você veio! Vamos conversar antes do jogo?Não queria dizer isso aqui, mas estou com um sem número de problemas. 
-Respondi que sim com a cabeça. 
Enquanto ele falava, eu ouvia. Enquanto ele se justificava, ele mesmo se ouvia. E na TV, gritaria. O jogo começou.
- Você não vai dizer nada? Perguntou.
Silêncio. Eu era um misto de silêncio e fidelidade. A ele e ao jogo.
-GOOOOOOOOOOOOOOOOL do Corinthians!
Após a comemoração, a publicidade de uma marca de calçados saltou à tela: " Quanto de você está perdido em tudo aquilo que você justifica?"
Mais silêncio. Silêncio apenas. Tinha levado minhas ideias para passear. Eu era ócio, amendoins e a expectativa do Alexandre Pato entrar antes dos 20 minutos finais.
- É. Eu não tinha pensado nisso ( referindo-se ao dito da publicidade).
Silêncio e...
- GOOOOOOOOOOOOOOOOL do Corinthians!
E no final do jogo...
- Nos vemos semana que vem?
Logo ele que estava com uma camiseta do David Lynch, já surrada do tempo e de cândida: " Ideas are like fish, you catch them".
No futebol, atenção flutuante é gol.

domingo, 12 de maio de 2013

7 Iguais


Os campos largos da noite
e seus tijolos marrons
abriram em mim um novo horizonte:
há que existir um novo céu sem os leões de Maomé de sardas apimentadas?

Logo então, descobri que as bolas de plástico
viraram o futuro da razão humana.
Os patrões mandam os homens chuparem sorvetes
de morango, azul silvestre
e tudo que a partir do sabor
virasse cor.
Tudo isso até os trabalhadores terem suas almas plastificadas
e virarem bolas
que se tornam brindes
nas mãos de palhaços com apelo popular
nos calçadões das cidades
entregues a qualquer perspectiva de pão com mortadela e guaraná.

Perguntar para a razão humana
o que fazer no mundo?

Ainda não adoeci para colocar cerca nas perguntas
e onde mais eu pudesse trocar a liberdade de viver
para consumir.

O saudável é aquele que guarda as perguntas no azeite
e considera a alegria  refogada com alho-poró.







Descobri que a minha vizinha criava besouros
(eles não me deixavam dormir a noite).

Eram besouros gordos e bem nutridos
e comiam a própria bosta.

Eram besouros vietnamitas
que dormiam ao canto de 3 sereias
mas somente os besouros vieram para o Brasil
sereias não dão lucro.

Os besouros choravam
e morriam aos poucos
porque não podiam mais dormir
(não podiam colocar o sonho em dia)
eles podiam apenas trabalhar
e no Vietnam as pessoas são felizes porque nunca ouviram a palavra trabalho.

Os besouros que continuavam vivos
descobri que trabalharam no subterrâneo do quintal da minha vizinha
viraram homens lá
trabalhavam sentados e com o ar condicionado ligado
de óculos, gravata e sapatos apertados
e continuaram a comer a própria bosta.

A minha vizinha foi presa
e continua rica
controla da prisão uma fábrica de bolas coloridas.