quarta-feira, 3 de abril de 2013

Capítulo reinventado




A morte tinha sido estagnação de momentos.  Silêncio da saudade que finca no corpo  uma estação de silêncios. A ausência da memória era a morte para mim.
Lembrei que sentei ofegante na calçada, à espera de um novo tempo-presente. As lembranças eram criminosas, intrusas. Não via de onde falava, senão pelo pensamento que me invadia. Eu era a vigília do que falava por mim quando fui obrigado a estar onde o pensamento se fazia o contorno do sofrimento, o sofrimento de um tempo que não passava.  O olhar perpetuado era então visto de longe: carros parados no instante, fugidios e eternamente cinzas, ruas brandas e eternamente estreitas. Ruas imóveis, não levam e não desabrocham olhares. Tudo era a força de uma pedra que cai somado com a força da pedra que continuava caindo e caindo...
Meu porto de luz foi a calçada e a indagação: Qual é o caminho que a morte leva?
Lembrei de Rodin e da sabedoria que cresce a partir do bronze. Naquele átimo de segundo eu trocaria qualquer sabedoria pelo conforto delineado a partir de um suposto-presente, tempo agudo. 
O eterno-presente desenrolou-se até mim pela assertiva: o peso da vida é o desespero silencioso.
Deveria chegar em casa, abrir o chuveiro e contar memórias enquanto a água caia e depois secar  tudo com a toalha para cair na cama e juntar o avesso de tudo  para virar sonho.  Coisas óbvias?  Tinha percorrido o caminho de forma digital. As pernas coladas ao tronco se tornaram analfabetas do primeiro passo. A força escorria (inerte) e somente o pensamento e as palavras-intrusas sustentavam meu corpo.  

                                                                              (Tensão)
 A mentira da vida é acreditar que tudo pode ser resolvido com planejamento e burocracia.  O planejamento ajuda, pode compor belas imagens e status para os homens modernos. Mais do que isso nunca será além da Natureza e o instinto de controle.  A burocracia é uma palavra oca. (Ser oco não é ser vazio)
Neste caso, a burocracia cabe uma infinidade de problemas grotescos, permeando a vida dos homens, principalmente para os que vivem afoitos nas grandes cidades. A burocracia preenche a vida das pessoas  como se fosse a última alternativa existencial possível.  Descobri então, que a burocracia é uma solução apenas para os que não precisam dela. Quando precisei de um pouco de humanidade e não mais papel, ramais, carimbos e assinaturas, eu fiquei só.
Em uma tentativa de alegria e abnegação já desvirtuei a burocracia.  Em outras palavras, já fui salvo e salvei por uma mentira. Mas agora, não há solução que seja a última saída. A vida precisa ser contida pela borda e nesta perfeita e sadia hora eu me apoiei na calçada! Sentei.  Fiquei preso com o corpo atado e o pensamento era minha mobilidade. Não era possível refletir já que o pensamento me conduzia ao desalento: a morte nos aproxima do que somos e nos afasta do que temos. 

                                                                              (A pedra e o tato)
  A sabedoria da vida consiste em não saber nada dela. Tanto conhecimento me fez fútil frente à vida... Da vontade de dominar as palavras me perdi delas!  Onde dormem as palavras? De onde elas vêm? 
Mesmo dormindo tive insônia.  A semana passou para todos  e eu permaneci parado. O sono não tinha mais a função do reencontro.  O sono era o desligar de uma chave que alguém  ligava  indicando que começou mais um dia. Veja bem, e agora eu entendo,  até parado o corpo pede movimento.  Não há estagnação e quando faltam passos é sempre uma palavra que vem dá força, conforto  e abrigo ao corpo.  O corpo é o lugar dos afetos e é por isso que descobri: o sentido maior da existência é a Confiança. 
Hoje vivo porque fui perdoado e através do perdão dado a mim descobri mais sobre os homens: em nossa essência, somos mais fracos do que perversos.
 Lembrei da passagem em que Pedro representou toda a essência da animalidade hominal e Cristo apenas amou. Amou de boca fechada. A partir daquele dia, Pedro superou a existência para tornar-se Pedro-Rei e tudo isso me confortou.  (qual é o sentido da frustração senão escalar um novo céu?)
Daquele dia em diante (do meu perdão e do perdão de Pedro) vivenciei que o homem é o que aparenta ser e também dimensões veladas rumo à perfeição.  

                                                                              (A retina filtra em silêncio)
Não faltaram forças para os primeiros passos. A calçada que me abrigou em silêncio poderia desenrolar crônicas e crônicas sobre a experiência dela. Entretanto, me entregou o silêncio.  As ruas estão doentes.  As estradas viajam paradas e levam os homens a lugares já conhecidos e eu quero o escondido da vida. Aventuro-me pelos mistérios numa peregrinação ao precipício de mim mesmo. A um passo do abismo eu ouço aos ecos os convites para a Glória. Já não me encontrava mais onde estava e devo o conforto da esperança anunciada pelo silencio entregue à mim pela calçada.
Será a vida uma grande cópia? Onde olho vejo encenação.  O que seria de mim se ao silêncio entregue, ela mostrasse o medo da vida e a imutabilidade das coisas? 

                                                                              (Inspiração vibrando)
Se nas calçadas vejo indiferença e solidão coletiva também posso ver cortejo e procissão.
O que direi aos meus olhos ver? O que direi a minha consciência obedecer?
Cada um segue rumo ao seu cortejo, indiferença ou solidão.  Eu sigo vivo pela certeza que me desobedece.  
Há mais que um lado nas ruas? Há mais vida, além do silêncio nas palavras? ( as palavras dizem nada e nós significamos tudo)
As cores da vida são tudo, até o silêncio nos olhos: um capítulo reinventado.


Nenhum comentário:

Postar um comentário