quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

Quando nasce a hora



Hoje, encontrei um menino que conhecia.  Tão conhecido que nunca me importei em saber seu nome. É um menino com uma história longa e para não usar “o menino sem nome" vou nomeá-lo. Alerto desde já, que o nome não é o mais importante. O mais importante é seu lugar na história.

Quando tomei fôlego e coragem para perguntar seu nome, e outros pormenores mais importantes, ele se foi. Não se importou que eu soubesse sua história, não se importou em olhar para trás para falar qualquer coisa com o olhar, como qualquer pessoa desconfiada de que haja um pedaço do segredo de si com outra pessoa. Ele não me deixou um olhar, mas deixou uma história e ensinou que tão importante como ouvir e contar histórias, é descobri-las.
 Seu nome: Joaquin.
A realidade nunca foi um abrigo para ele.  Aprendeu, entretanto, que o presente é passageiro e o atalho para as emoções incômodas nunca seria desejar seu  fim, mas entender que tudo se dilui a medida que nossa ignorância não ocupa mais espaço.

Como toda criança, sonha. A criança que não sonha não pertence a este mundo, ou está doente de contaminação. Se alguém gostaria de conhecer o inferno, basta não incentivar uma criança a sonhar. O sonho é sempre um convite para realidades desconhecidas. Os sonhos são setas e canteiros, a proximidade garantida do conforto de pertencer a nós mesmos.
Encontrei Joaquin na cidade ocupada pela realidade que impõe o mundo. Para esta, os contornos  do chão seguem linhas lógicas e as cores são sempre previsíveis, como o ato de existir ou acreditar. Um exemplo disso é que existe o céu sempre azul ou a água do mar é sempre salgada e sempre  verde e tudo permanece, sempre, no seu devido lugar.

  Para Joaquin, quando o pensamento é hidratado pelo sonho ele nos projeta aos segredos que só as estrelas sabem. Não é magia. É Ciência. Ciência do entendimento do desdobramento das coisas. Assim ele costumava exemplificar a divindade de sua tese: Basta analisar o desdobramento do braço, ele dizia.  Desdobrado, tem seu alcance muito maior: torna-se abraço. Acreditar nesta realidade (a que se desdobra) diferencia quem entende o mistério das estrelas daqueles que só acreditam nas estrelas quando o Sol se põe.

Outro pragmatismo desta ciência, cujo expoente era o Menino-luz, como eu gostava de chamá-lo, é a superior capacidade de fazer trompetes com a caixa de pasta de  dentes. Nisso, sempre teve muito destaque, solitário destaque. Não quero contaminá-los com a minha tristeza neste momento e explicar o porquê do solitário destaque, entretanto, lembrei-me da  máxima, dita por aquele cujo  a irradiação do sorriso, a liberdade repousava luminosa: " Quando os pigmeus não alcançam os gigantes, jogam pedras para rebaixá-los".

 Escovar os dentes para Joaquin nunca foi uma prioridade. Preferia gastar a pasta de dentes fazendo desenhos abstratos na pia do banheiro ou até mesmo no vaso sanitário. A alegria consistia em desenhá-los com a ponta dos dedos ou com a palma das mãos, poderia até juntar dois tons de pasta de dentes (geralmente azul ou vermelho, sempre para adultos. As pastas infantis não tinham consistência para modelagens) o que aumentaria a expectativa para a abertura de novas caixas e o descobrimento de novos timbres e afinações, resultado da mistura do papelão e outros processos de composição do material das caixas.

Com as caixas em mãos, o momento era celestial. Reservava um dia ou no máximo dois na semana, sempre com duas marcas diferentes.  Descobriu que as caixas não poderiam ser apenas trompetes, mas, qualquer outro instrumento de sopro que desse vida ao ar dos pulmões.  No quarto, voltava-se a si e ao mistério do ar. Ninguém mais entendia desta realidade.

O ar é uma coisa engraçada, contou-me ele um dia.  Renova-se sendo sempre o mesmo. O ar que respiramos hoje já foi o ar respirado pelos dinossauros, pelos homens na Idade Média e até por Jesus Cristo. Mas, o ar nunca foi um coisa em si. No início do mundo o ar nunca foi ar, era uma ausente gotinha do protoplasma que hoje respiramos.  O mundo sofria de falta de ar até que surgiu a música e a música foi quem deu movimento e oxigênio ao ar para dançarmos enquanto vivemos.

A moral do mundo está ligada aos timbres. Os homens se tornam bons ou maus por não dançarem conforme a música que sopra dentro de cada um. Não há um determinismo, mas a falta de música interna faz sofrer.  As formigas tem a cara de framboesa e cheiro de capim cidreira  porque  seguem  cantando formigueiro adentro, as abelhas tem a barriga do veludo de um dia de Sol porque fazem o mel cantando para os polens, e até as nuvens, antes de produzirem o suco do céu, cantam. Algumas nuvens  mais animadas cantam alto e em coro, nos assustam com as melodias elétricas  e a  cozinha dos deuses vira uma bagunça. Uma sonora bagunça! Uma viva e fraterna bagunça!

Os dias na cidade estavam cada vez mais retos.

Há algum tempo não ouvia mais música nas cidades. Imperava o silêncio da rotina e das construções dos Dédalos modernos.  Via-se corações tolos como a fúria do touro provocado nas arenas. 
As grandes cidades tornaram-se confidências. Rumou-se então para liberdades confinadas e  seria inútil alcançá-las a não ser bebendo refrigerantes cor-de-mofo, fumando algumas marcas de cigarro ou apostando em empresas que garantem o sucesso garantido e a qualquer preço. O sucesso é o inverso das pessoas, disse-me ele um dia.

Este não era mais o mundo de Joaquin. O Menino-luz agora era frágil como uma lamparina. Os trompetes das caixas de dentes estavam roucos. A Música-luz perdeu seu lugar.
Desacreditado, procurou ajuda e apenas encontrou mãos geladas e distintas. Não conhecia mais pessoas no mundo.

Chegou a ir a alguns lugares com pessoas cruas que receitam coisas-promessas. Durante uma semana, Joaquin ofereceu às caixas e a si mesmo alguns micro pedaços de encanto.
Aconteceu o inesperado: Os encantos, carregados de promessas, acabaram com a música de Joaquin. Convicto de que esta não era a saída, a partir de agora seu caminho estava aberto: sabia que nunca deveria acreditar nos sonhos de consumo ou em esperanças que são produzidas em larga escala, embaladas e coloridas. A verdadeira confiança repousa nas coisas silenciosas. Aquilo que faz barulho é a porta de entrada para o abismo.

A senha do mundo agora é dinheiro.

Joaquin nunca dançou ao abrigo desta realidade. A realidade, como fenômeno, é aquilo que dificulta qualquer pessoa de ouvir sua música.

Foi quando as primeiras cordas do dia empurravam a noite fria. No caminho para a padaria, lembro-me, foi a última vez que vi Joaquin. Neste momento, iniciei um bom dia para continuar a conversa com o menino que rompeu o mistério do dia e das palavras.

-Bom dia, eu disse.
Joaquin apenas dançou. 

Tudo que fica é história e nunca mais vi Joaquin. 
 
Se o mundo precisa dos super-heróis, é justamente com eles que não se pode contar.

sábado, 15 de dezembro de 2012

O caminhão de gás *


Era manhã.

Uma manhã de inverso em pleno verão. Talvez por isso diferente das outras…

O ar frio sucumbia em memórias esbravejando um frescor excessivo. O céu se esforçava para ser menos cinza e os pássaros menos solitários em cada liberdade. O tempo era descontrole de banalidades excessivas e a rogativa, minha lente de aumento do céu, era um pedido para seus ponteiros serem menos implacáveis em cada ato.

Os ecos de um “mundo novo” ainda habitavam meus ouvidos. Estava pregado à cama como os sonhos que embalam um futuro melhor, banal como qualquer slogan de televisão, mas como uma gota de esperança que nascia e eu precisava agarrar. A esperança cabe na mão daqueles que são convictos.
O carrossel das necessidades me abriu um sorriso pálido, provocativo: eu sabia que tinha fome, ele como um mantra me perguntava de quê.

Via na rua os restos dos rojões que anunciavam os festejos de um ano novo e as promessas e esperanças vinham e voltavam, assim como oferendas, como tudo aquilo que vem do mar.
De repente, abro os olhos e acordo. Desta vez saindo da cama.

Ao fundo, dobrando a esquina, avistei mais pela música do que pela forma: era o caminhão do gás.
Era dele a esperança que me restava. Despertavam lembranças e toda a empolgação, toda lembrança, história, dádiva, lagrimas…

Estava sozinho e precisava correr! Sentia fome e sabia que era preciso mais do que de comida para alimentar a nudez de todo recomeço.

Corri até o portão, fiz um aceno ainda semi desperto. O caminhão parou.
Com um bom dia discreto, de quem não escovou os dentes ainda, escolhi o botijão menos bonito. Preferi o azul ao verde.  Fiz questão de escolher o enferrujado com dois amassados nas laterais, porque sabia que ninguém mais escolheria aquele.

A música do gás ainda tocava e agora mais alto porque eu estava embaixo da caixa de som. Senti um incômodo, eram as meias ainda molhadas da umidade do asfalto. Por mais que haja uma diferença entre o nome que apareça no crachá e o que você realmente seja, agradeci ao Senhor Miguel (o senhor não estava no crachá, apenas o primeiro nome e alguns números) e fui embora sem conferir o troco.

Soltando um pouco de fumaça, o caminhão foi embora ao dobrar a esquina.

O coração seguia ao compasso da espera nebulosa.
A responsabilidade era só minha agora. O que fazer quando tudo que você pode pedir já é seu?
O gás encontrou seu lugar, saindo de si. O desafio de ser mais leve transfigurou paixões.

Enquanto isso, eu olhava a dança da chama enquanto esquentava no fogão o café de ontem. O fogo que sempre encantou a humanidade agora me abre dúvidas:
Fome eu tinha, só não sabia de quê…




Este é um dos meu primeiros textos "em prosa"...
Foi publicado originalmente na Revista Cultural Nota Independente.

 Quem quiser confirar "no original" poderá ver também a bela ilustração do Bruno Grossi. Basta clicar aqui.

domingo, 9 de dezembro de 2012

Cântico


Aceitei o coro e o brio que em minha alma clama
a resposta em turno vazio do que é sofrido em faina.


Coloquei a sorte para morrer se a vida me engana
a crença de que a Vida é passo certo e não ilusão tacanha.


Tudo posso então, se o Primeiro Passo me acompanha
o sangue lúcido das veias, herança humana.


Após a voz do sofrimento que rasgas as entranhas
o eco se declara e diz: A Vida é soberana!


sábado, 8 de dezembro de 2012

Agradecimento!

Pessoal!

Quero muito agradecer a todos que passam por aqui! Todos mesmo!

Estas breves palavras tem um sentido latente agora, pois mostram que, indepentende do grau, algumas situações não merecem mais a nossa tolerância.

Um exemplo disso é que o post/poema " A Fraude da Arrogância" é um dos posts mais lidos aqui do blog!

Indepentende do números de acesso, o que mais tem importância é o nível de compaixão das pessoas que leram e comentaram comigo. Isso demonstra que os valores do espírito tem sim mais valor do que os expostos nas prateleiras ou das ambições desmedidas e individualistas, com a diferença de que um  trabalha em silêncio e não faz questão de ser visto, e o outro, veste as tamancas da desordem e arrogância.

Não podemos mais perpetuar o silêncio da voz que cala para a voz que oprime.

Obrigado!

Inspirações duradouras!

Thiago Domingues


domingo, 2 de dezembro de 2012

A fraude da arrogância


Para a diretora de uma escola municipal de São Bernardo do Campo que fez da mudança uma afronta, uma indigestão ao estado de espírito libertário e fraterno.  Que fez da humilhação a engrenagem da voz que cala.

Capitã do mato, dona da escola que é de todos, vê na educação que liberta as forças da alma  um perigo; na cultura uma mentira lustrada com bons modos e na hierarquia, a exaltação  ao “caráter” servil das pessoas .

Para aqueles que se espelham em exemplos assim ou para os dirigentes da Secretaria da Educação de São Bernardo do Campo,  que calaram quando algo pôde ser feito, uma palavra: isto não é uma epígrafe, mas um alerta!








Para contar esta história
foi  preciso construir uma realidade
mais descolada o possível
da realidade em que foi concebida
dando asa a olhares plenos e vagos
que na solidão da partida
semeiam  o chão e rompam com  o teto
para que a medida das coisas
 sejam os pássaros- nunca os de voo raso
 os rios-  nunca a represa
e a pergunta
ou aquilo que denomina o mundo
nunca a certeza muda.


Sorrindo a expressão de reencontro
entre dois velhos amigos
que dançam a colorida leveza das coisas
dançam a faxina
que limpa  a toxina que invade os dias
e levam a Fé
pernas da alma humana
em um passeio de mãos dadas
pelos sonhos das crianças que brincam
rompendo a causa perdida
de toda oferta que liquida a vida.


Sopro  desta poesia-denúncia
esta é a história
da história que não pode se repetir
por isso conto em poesia:
lugar onde os versos
lapidam os fins em possibilidades
e assim
continua  a era  da poesia que dá esperança ao grito
por mais que seja ele calado...


Foi o que aconteceu.
 ( para mim, foi apenas um acaso tardio). 

Em um desses dias
quando o Sol tosta a alma
porque mostra justamente
além do que as “pessoas de bem” cultuam
olhou tão de perto a sombra que
(era viva por não ser apenas o contorno)
quebrou.


Via-se  mais que um corpo esfacelado no chão.
O asfalto crespo
estava incolor.
As pessoas navegavam indiferentes àquela cena
sem espanto ou indignação.


Ninguém via que a morte ali sorria
só quem morria
sentia.
Onde estavam as vísceras ou órgãos
e o sangue jorrando
explodindo das arterias? 


Via-se ali
apenas
emoções expatriadas.
Aqui e ali
viam-se sentimentos
fracos
que não faziam bater um coração
e na falta de oxigênio
sobrou
o gás carbônico da arrogância
que intoxicou
dissolveu
e por não sujeitar-se à leveza
quebrou.


De tanto querer ser maior que os outros
( era dona da hierarquia e da coesão)
deitava  em seu poder
sentindo o esplendor de uma esfinge lunar
e coberta com as  plumas da arrogância
cortejava a bizarrice
de ter o nome cravejado em placas, cerimoniais, memorandos
sempre perversa
eximia-se  do poder que conduz
para o bafio da  dominação
epicentro do poder que seduz
abusa e não constroi
tampouco dignifica. 


De sua boca escorriam palavras mimadas
querendo satisfação
sua barriga fermentava o pus da discórdia
comprimindo
cada um que não concordasse
com seu desejo infantil de dominar o mundo.


Com o  peito estufado das pulsões nefastas
derrubava e pisoteava
como uma cavalaria bárbara em galope  desenfreado
vestindo as esporas de uma supremacia rugosa
a fim de aniquilar sorrisos e sonhos
em troca da obediência servil.


Soprava areia nos olhos de quem não conseguia mais ver
e a cabeça
( principalmente dos “seus” funcionários)
pesava
pesava
pesava o peso de toda indiferença
com os espinhos ácidos da devastação
mas, o que desintegra
esfola
cala e arde
é a  humilhação. 

Parece piada
mas é realidade
isso existe
e faz sofrer.


Construiu um reino
em que todas as pessoas são as extenção do seu egoísmo
(apenas!)
instalou câmeras
que muito depois
tornaram-se a conciencia de cada um
e não mais precisou de eletricidade
tampouco castigos
confissões ou torturas
imperava com o cajado da ameaça
e as pessoas
adormecidas
sob a hipnose do medo
recuavam
cediam
e lamentavam:
 “quem é vivo obedece.”


Você, dona do olhar que reifica
poderia  rir ao ler este texto
assim como ria ao se olhar no espelho
e eu sei
que ali não via  sorrisos
mas, impressões coladas à face
porque foi assim que você morreu.

Quando a última destas ilusões desprendeu-se
eu ouvi seu grito de dor
e agudo
soava o que seria o gérmen do arrependimento tardio
escorrendo pela face.


O mundo é transitório
e os cargos: aparências.
São  extensão da boa vontade
ou sequelas de uma possessivivade doentia
alucinada pelo poder e dominação.


O poder não uniu sua família
porque nem com eles você se reunia à mesa
nunca comeu a mesma comida que todos.
O poder ( ou o que você fez com ele)  não fez pessoas felizes
mas, enfraqueceu a língua daqueles que você impediu de falar.


O poder sorri para você agora
porque ele é o poder que pode
e você, a ilusão que aceita.

Foi aí que você quebrou, lembra?
A rua era transitória demais para você parar o seu carro
a rua trouxe um endereço novo
e o Sol, apenas deu vida
ao que você havia embolorado.


Você quebrou porque tudo que é duro e quer ofuscar
simplesmente quebra.
Não aguentou o sol mais alto
lúcido e contente
gerando vida e sorrisos
e nesta imposição desordenada
 você morreu.


Em seu túmulo
presto homenagem.

Epitáfio: 

Por continuar a era da poesia que dá esperança ao grito
Pois o seu silêncio
Imposto aos socos
renasce em esperança ao pacífico.”