quinta-feira, 25 de outubro de 2012

O casamento



As espumas do mar são o chofer do vento. 

Essa era a única verdade que importava para alguém que estava ali, em composição, na imensidão dos pensamentos, valseando na cadência ritmada das águas. 

Ali, naquele chão arenoso, afundava os pés na areia com o desejo que as partículas dos problemas fossem tão efêmeras quanto  a areia escoando pelas dobras ,entre os dedos do pé. Aliviava o peito pensar que já tinha sido pior.  Ficar só e em paz consigo mesma já era uma conquista e aquele instante, concretizava a moldura da contemplação. O mar, as ondas e os pensamentos sortidos  eram ouvidos todos na mesma proporção. 

O Sol já ensaiava os primeiros beijos à crista da água quando precisou voltar. De longe avistava uma multidão de agitação e luzes piscantes. Toda aquela euforia a acalmava. No casamento do filho mais velho, ela se permitiu contemplar as águas.
Enquanto os últimos detalhes eram prestados às damas de honra,  as flores que compunham os arranjos  eram umedecidas espelhando um suave aroma sorridente pelo salão amadeirado...Em  momento algum contagiou-se com a agitação. 

Com os olhos prostrados ao mar, encaminhava à Santa Mãe da Imensidão seu barquinho de gratidão, a gratidão por ela mesma, apenas com os olhos.
Naquele momento nada mais era tão importante do que o olhar: paralisava o tempo e  dava sentido à história perdida.  Naquele instante da eternidade  o olhar integrava com a natureza seu momento de contemplação,  e projetava a rosa- gratidão ao lamento  metálico  das rochas espremidas pela dureza das águas. 

O tempo dos homens é incompatível com quem sonha.  

Como um estalo, o tiquetaquear dos ponteiros alertava: a maquiagem estava por fazer e o rosto ainda sofrido das marcas que a vida confere à quem sobreviveu aos horrores e desencantos, selava naquele momento um instante de alerta. 

A festa mal tinha iniciado, e era preciso correr. Como mãe do noivo, o cortejo aos convidados era mais do que uma questão de educação.  

No caminho para o quarto do hotel lembrou-se do vestido vermelho que  saltava à cama.  E algumas histórias caíram do céu, como o vestido que abraçou o corpo e sentiu-se bela. Bela como a dança da chama e da vela.  Bela por ser livre, livre por ser ela.  

Como um teatro de toda paz, rompeu o silêncio da consciência leve:
- Se o inferno existe, é a prisão da mente!  

Logo ela que sempre testemunhou o mundo, lembrou dessas histórias como uma realidade farpada.
  Agora fez-se  merecedora de ser protagonista das próprias palavras! Carregar no ombro o mundo do olhar reto e sereno. É o que lhe faz bem, é o que lhe apraz! 

As  preocupações existem, são as asas do estar vivo! Hão de ser carregadas no ombro também!
Como um malabarista, escorreu a inquietação dos lamentos de uma história triste  pelos braços, gingou  com a cintura até tudo virar um misto de sentimento solto esperando um bom lugar para pousar! Brincou de malabarista, sem chapéu, sem malabares e principalmente sem rede de proteção.

De longe, enquanto todas desfilavam vestidos e vaidades, ela via aquele momento como aceitação. 

Sua falta era sentida na festa. 

Mãos no rosto e os olhos no espelho: A maquiagem não estava feita! 

Os olhos ainda estavam pesados! As lágrimas que passaram por ali deixaram considerável estrago, como a maresia mastigando lentamente o ferro, o fundo e a forma.   O pulmão seco a esta altura era paz e silencio. O solo era ferrugem, casco de uma realidade deixada de lado.
O amanhã é a combinação de duas pernas que pulam uma cerca. A cerca era o que envolvia a realidade, agora descoberta.  

A realidade é nobre  porque se desdobra em  ontem, hoje, amanhã e sempre.  Ela precisava sentir. Sentir  é a extensão de estar viva.  Fazer com que os problemas sentissem junto dela era mais do que envelhecer. 
Neste momento, o quarto era  testemunha de que a a brisa da renovação não mais censurava a pele.  A festa já tinha iniciado e agora, notou mais um problema, desses que antes a fariam  desistir, agora era motivo de maravilhamento. Ela absorveu o companheirismo de si mesma e tinha deliciosamente o problema mais importante do mundo: o fato das sobrancelhas estarem por fazer.

E saboreando essa situação, participou do mais importante renascimento da vida: Não ter quem faça as sobrancelhas na hora da festa.

7 comentários:

  1. Nada como o mar para fazer a vida ir e vir, no ritmo certo. O vento,a onda ... Tudo numa cadência perfeita, da vida que segue e do mundo que dá voltas!!!
    Cheguei até aqui por indicação da minha irmã Ana Claudia! e Gostei!!!



    Escrever é preciso!

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    1. Oi Andrezza!
      Muito obrigado pelas palavras!
      Também gostei muito dos seus escritos!
      Agradeço também à sua irmã pela recomendação!
      \o/

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  2. esqueci de deixar meu endereço


    http://verbalizandoeandando.blogspot.com.br/

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  3. "O tempo dos homens é incompatível com quem sonha".
    O Casamento é, talvez, o seu melhor texto. Você faz poemas maravilhosos e, como já lhe disse, prosa também. Foi agradável conhecer aquela mãe, que antes de ser progenitora é pessoa, e sentir o que ela sentiu. Se reconhecer, independente do gênero, naquela mulher.

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    1. Rubão!
      Estou arriscando...Procurando, como você mesmo diz " estudar a gramática, mas não me apegar a ela..." e assim também quanto as outras formas e gêneros dentro da nossa tão ampla Língua!
      Obrigado pela visita, pelo apoio e por acreditar!

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  4. Meu Amor!! Que delícia de prosa!! Por que não arriscas mais nesse caminho?? Deslizei entre as frases, me senti lendo os ¨contintas e proseiros¨ que estou habituada a ler!! (Claro, as ¨metáforas bregas¨ não poderiam faltar...assim não seria Tito Domingues!!rsrs)

    Amo te ver crescendo com e na literatura! Amo-te!!

    (Li seu conto um pouco antes de ir para a Praia de Matosinhos em Porto...fiz mesuras a ele em pesnsamento ao tempo todo..até lhe trouxe uma conchinha. Só hoje achei um tempinho para comentar)


    Saudades...

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